terça-feira, 16 de março de 2010

ESQUECIDOS PELO TEMPO...

2002, Alagoas, José Márcio Santos Almeida, 33 anos, idade de Cristo, foi apedrejado e recebeu diversas pauladas na cidade de Maribondo, a 80 km de Maceió. Também cuspiram nele. Não satisfeitos, os moradores da cidade ainda o amarraram a uma moto e o arrastam por diversos quilômetros. Almeida chega com vida ao hospital, um dia depois, após receber os primeiros cuidados em casa. Antes de morrer, cita os nomes dos autores do crime. Seriam dez, ele morre.
Três pessoas são acusadas pelo crime, duas delas menores de idade. A vítima era homossexual, de conhecimento da cidade e querido por muitos. Sabia que se comportar por ali era a garantia de sua vida. Não bastou. Foi vítima de um crime bárbaro. Foi julgado em praça pública como Maria Madalena. Mas Jesus não apareceu para salvá-lo. Após o crime, os menores foram levados para o centro de recuperação do estado e o maior foi preso.
O crime, ocorrido há quase 4 anos, não ganhou notoriedade na mídia nacional. Na verdade, algumas notas em grandes jornais do Rio e de São Paulo noticiaram o ocorrido. Almeida era militante do Grupo Gay de Alagoas, o GAAL, mesmo assim o crime ganhou destaque.

Na semana passada, um crime igualmente bárbaro foi notícia internacional. No subúrbio do Rio de janeiro, um menino de 6 anos, preso ao cinto de segurança do carro onde estava, que foi roubado, foi arrastado por cerca de 6 km. Diferentemente, o crime virou símbolo contra a violência, suspeitos já foram presos e o nome da criança, João Hélio Fernandes Vieites, deve virar nome de uma praça na cidade. Um filme, um livro, não estão descartados.
A morte do menino foi um crime não premeditado, existe um milhão de explicações não convincentes para tal barbárie. E o crime contra Almeida? Morto por moradores de uma cidade de pouco mais de 15 mil habitantes, morreu no esquecimento e é apenas mais um nas estatísticas. Foi um crime premeditado, um crime de ódio.

Ambos os crimes são uma vergonha para o nosso país. Para a humanidade. Crimes hediondos precisam ter uma legislação mais rígida em nosso país. Estupro, violento atentado ao pudor, assassinato a sangue frio, crime premeditado, chacinas e crimes de ódio devem ter punição exemplar. Pena de morte ou prisão perpétua seria pouco em alguns casos.

Assumo que uso, como pretexto, a morte de Almeida e do pequeno João Hélio para chamar a atenção para os crimes homofóbicos. Mas nós podemos contar um novo caso de morte por aversão aos homossexuais a cada dois dia em nosso país. São crimes com requintes de crueldades, premeditados e que se repetem. Crimes estes que são esquecidos pela grande mídia, pelas autoridades, e muitas vezes ficam de fora do conhecimento da própria comunidade gay.

E não precisamos ir tão longe. Um rapaz de Curitiba, que não vou divulgar o nome, teve seu rosto desfigurado, ao ser atacado em 2004, por skinheads que usavam madeiras com pregos. Seu olho esquerdo ficou pendurado e por pouco não perdeu a visão. O afundamento de seu crânio é tão chocante que mesmo após mais de uma dezena de intervenções cirúrgicas, seu visual ainda é chocante. Não podemos esquecer que a grande parte dos crimes contra homossexuais não são computados.

A violência é um problema grandioso, fruto de um sistema que insulta o pobre e propõe os bens materiais como grande patrimônio humano. Já a homofobia tem como alicerce a ignorância, na normatividade da sociedade, na dicotomia das religiões. São crimes cometidos em nome de um sistema regido pelo dinheiro e que apaga o valor de uma vida.

2007, Ponta Grossa, Polícia Civil de Ponta Grossa, a 120 quilômetros de Curitiba (PR), investiga a morte do estudante de Educação Física Thiago Roberto de Arruda, de 19 anos. Difamado numa página do Orkut (site de relacionamento na internet), ele teria sido induzido a cometer suicídio por membros de uma comunidade virtual chamada No Escuro Ponta Grossa, a mesma que o difamou. O corpo do rapaz foi encontrado no dia 5, dentro de um carro na garagem de sua casa. Ele morreu por inalação de monóxido de carbono. Segundo a polícia, o método que Thiago utilizou para se matar teria sido ensinado via Orkut.
“As informações que chegaram até agora apontam que houve a instigação”, disse o delegado operacional de Ponta Grossa, Homero Vieira Neto. Segundo ele, havia cerca de um ano que Thiago era alvo de difamação, calúnias e injúrias no Orkut. “Diziam que não seria bem-vindo na sociedade em razão de sua opção sexual”, explicou o delegado.
No site, ele era chamado de “pedófilo”. “Disseram que pessoas desse tipo tinham de morrer, que não podiam conviver com a sociedade.” De acordo com amigos de Thiago, a pressão psicológica sobre o rapaz extrapolou a internet. Ele passou a ser hostilizado nas ruas da cidade. Por conta disso, teria começado a escrever mensagens na internet dizendo que iria se matar.
Integrantes da comunidade No Escuro Ponta Grossa souberam da disposição de Thiago e passaram a encorajá-lo, segundo a polícia. “Deram a receita”, disse o delegado Vieira Neto, ao confirmar que o estudante aprendeu como deveria fazer para se suicidar. Thiago colocou uma mangueira no cano de escapamento, entrou no veículo, fechou os vidros, ligou o motor e morreu ao inalar monóxido de carbono. “É até meio diabólico”, disse o delegado. Depois do suicídio de Thiago, as instruções sobre como se suicidar foram retiradas da página.
O delegado está levantando novos dados sobre o histórico de Thiago, que estaria sofrendo de depressão. “Se não tomarmos providências de forma enérgica, isso pode ganhar corpo, porque o grupo (a comunidade no Orkut) não tem escrúpulos”, disse. Ele solicitou o auxílio do Núcleo de Combate aos Cybercrimes, de Curitiba.
Segundo o delegado responsável pelo núcleo, Demetrius Gonzaga de Oliveira, é possível chegar aos autores do que ele chamou de “linchamento” do estudante. “Temos de nos valer dos mecanismos jurídicos e tecnológicos”, afirmou. Serão analisados os contatos feitos pelo estudante, por meio de correio eletrônico, e solicitada a quebra de sigilo do Orkut, segundo a polícia. A família de Thiago não quis se manifestar.


"Ser capaz de sentir indignação contra qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, é a qualidade mais bela de um militante dos direitos humanos.” (Che Guevara)

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